O Hospital Universitário Onofre Lopes (Huol-UFRN), vinculado à Rede Ebserh, celebra duas décadas da realização da sua primeira cirurgia bariátrica, marco que consolidou a instituição como referência na área.
Desde então, o serviço já contabiliza cerca de 1.500 procedimentos realizados, sempre com foco no cuidado integral e na formação de profissionais de saúde.
O início dessa trajetória, segundo Eudes Paiva de Godoy, responsável pela implantação do serviço, foi repleto de desafios. “O primeiro, sem dúvida, foi viabilizar a cirurgia por vídeo no âmbito do SUS.
Os materiais eram muito caros, e tivemos que encontrar um equilíbrio para realizar uma cirurgia mais econômica possível, gastando o mínimo de materiais de alto custo”, relembra.
Ao longo desses 20 anos, o Huol-UFRN se destacou não apenas pela inovação cirúrgica, mas também pela forte atuação multidisciplinar, uma marca que, segundo Godoy, diferencia o serviço.
“Costumo dizer, sem medo, que é o local dentro da nossa universidade onde mais fazemos atividade multidisciplinar de fato. Recebemos rotineiramente alunos de Fonoaudiologia, residentes de Fisioterapia, Psicologia e Medicina. Hoje contamos com uma equipe composta por dentista, fonoaudióloga, psicóloga, fisioterapeuta, assistente social e enfermeira, todos com papéis fundamentais no preparo e no acompanhamento dos pacientes.”
A experiência acumulada também resultou em avanços acadêmicos, como a criação recente da disciplina de Fonoaudiologia em Cirurgia Bariátrica no Departamento de Fonoaudiologia da UFRN, inspirada diretamente no trabalho desenvolvido pelo serviço do Huol/Ebserh. “Isso mostra que a prática clínica aqui tem desdobramentos no ensino e na formação de novos profissionais”, destaca o médico cirurgião.
Eudes Godoy relembra que, no início dos anos 2000, a cirurgia bariátrica começava a se expandir no Brasil, ainda restrita a poucos centros. “Havia cinco centros no país que faziam esse tipo de cirurgia. Fui a São Paulo aprender com o professor Arthur Belarmino Garrido Júnior, da USP, um dos pioneiros. Voltamos e implantamos o serviço no Huol. Fui um dos primeiros cirurgiões a realizar cirurgia bariátrica por laparoscopia no país”, comenta, orgulhoso.
Com o tempo, o serviço potiguar se tornou referência nacional em cirurgia bariátrica laparoscópica e em treinamento de cirurgiões, recebendo profissionais de todo o Brasil para aperfeiçoamento técnico. “Nossa residência se transformou em centro de excelência em videolaparoscopia. Aprendemos muito ao longo desses anos, inclusive sobre o funcionamento das operações e como elas influenciam os hormônios que se comunicam com o cérebro — conhecimento que hoje baseia novos medicamentos como o Mounjaro”, explica.
Após duas décadas de conquistas, o objetivo agora é fortalecer a produção científica. “Conseguimos funcionar, atender e ensinar, mas agora precisamos produzir ciência de alta qualidade. Queremos trazer recursos externos para investir em pesquisa e melhorar ainda mais nossa estrutura. Temos um hospital de alto volume do SUS, uma equipe qualificada e a vontade de avançar, porque essa é a missão da universidade”, conclui Godoy.
Vinte anos depois, o olhar da primeira paciente
A história da cirurgia bariátrica no Huol-UFRN também se confunde com a trajetória da professora Andreza Santos de Moura Pinheiro, a primeira paciente a ser submetida ao procedimento na instituição. Duas décadas depois, ela relembra com emoção o que viveu.
“Foi um misto de alívio, medo e uma alegria imensa”, conta. “O alívio vinha da certeza de que eu finalmente teria uma chance real de mudar de vida, de ter saúde. O medo era inevitável, por ser a primeira, a ‘pioneira’. Mas a equipe do Huol era tão dedicada e bem-preparada que a confiança deles me acalmou. Lembro-me de sentir que estava abrindo uma porta não só para mim, mas para muitas outras pessoas. Foi um privilégio, uma verdadeira luz no fim do túnel.”
Antes da cirurgia, Andreza convivia com as limitações impostas pela obesidade. “A lembrança mais forte era a das dificuldades simples, amarrar o sapato, subir escadas, encontrar roupas, lidar com as dores e com o cansaço constante. Depois, a coisa mais marcante é o ar leve. Quando o peso começou a cair e as taxas de saúde a melhorar, era como se o mundo se abrisse. Lembro da primeira vez que consegui caminhar longas distâncias sem me sentir sufocada. A equipe do Huol virou uma segunda família.”
O impacto, segundo ela, foi “total, em 360 graus”. “Ganhei anos de vida e, mais importante, qualidade de vida. Recuperei minha autoestima e voltei a fazer planos. Hoje, posso brincar com meus netos, viajar, viver sem limitações. É uma liberdade que eu não conhecia.”
Na época, Andreza também enfrentou preconceito e desconhecimento sobre o procedimento. “Vinte anos atrás, a cirurgia bariátrica ainda era vista como uma ‘saída fácil’. Muita gente não entendia que obesidade é uma doença crônica e complexa. Eu lidei com isso focando na minha saúde. O resultado falou por si: meu sorriso e minha energia provaram a importância dessa decisão.”
Ao ver o Huol/Ebserh celebrar os 20 anos da cirurgia, a professora se emociona. “Ah, isso me enche de orgulho! Ver que um passo tão importante, que começou comigo, se transformou em um programa sólido que já ajudou centenas, talvez milhares, de vidas é indescritível. Sinto-me parte de uma história maior, um elo nessa corrente de esperança e cuidado.”
Antes de encerrar, ela deixa um conselho aos novos pacientes: “A cirurgia não é mágica. É uma ferramenta poderosa, mas exige acompanhamento e disciplina. O segredo é ter paciência e amor-próprio. Confie na equipe, faça a sua parte e celebre cada pequena vitória. É uma jornada longa, mas vale cada passo.”
Fonte: UFRN

