Por Amauri R. Rocha
É estarrecedor.
Basta abrir as redes sociais para nos depararmos com o retrato mais cruel da nossa realidade: mães debruçadas sobre o corpo de seus filhos no chão. Parentes procurando desesperadamente por entes queridos em vielas onde foram encurralados. Filhos mortos pela ação do próprio Estado — o mesmo que deveria garantir dignidade, saúde e educação ao povo preto, pobre e favelado.
Essas cenas não são apenas tragédias isoladas. Elas expõem uma falha moral e política profunda, que só pode ser explicada por duas vias igualmente graves: ou a incompetência abissal, ou a maldade no coração.
Quando um governador autoriza uma operação policial com um saldo de mais de 120 mortos, como ocorreu recentemente no Rio de Janeiro, ele demonstra, no mínimo, que não entende absolutamente nada sobre as organizações criminosas que diz combater.
A Estratégia do Extermínio Não Combate o Crime
Operações dessa natureza não enfraquecem o crime organizado. O Comando Vermelho, por exemplo, movimenta bilhões de reais por ano. Uma ação violenta e desordenada como essa não atinge sequer 10% da estrutura financeira de uma facção.
Se o governador e sua equipe tivessem dedicado tempo a estudar as obras sérias que analisam o funcionamento dessas organizações, jamais teriam autorizado uma intervenção tão irresponsável. Mas, como a tragédia acontece dentro da favela, a impressão é que tudo é permitido.
É Possível Fazer Segurança Pública com Inteligência
Enquanto o Brasil assiste a essas chacinas, existem exemplos concretos de que é possível combater o crime com inteligência e sem derramar sangue.
Em agosto, o governo federal desmantelou um sistema financeiro do PCC sem disparar um único tiro. Aqui mesmo, no Rio Grande do Norte, a governadora e as forças policiais têm realizado operações bem-sucedidas, prendendo diversos integrantes de facções, também sem recorrer à violência letal.
Esses exemplos provam que é possível fazer segurança pública com planejamento e, acima de tudo, respeito à vida.
No entanto, alguns governadores da extrema-direita parecem não querer isso. Eles resistem à unificação e à integração das forças policiais porque preferem manter o controle político sobre elas. Assim, podem ordenar grandes operações às vésperas das eleições — não por estratégia de segurança, mas por pura estratégia eleitoral.
O Jogo Cruel da Política do Medo
É um jogo perverso. Uma parte da população se assusta e se cala; outra parte, desinformada, agradece, comprando a narrativa de que todos os moradores da favela são criminosos.
Mas quem vive nas periferias sabe: a maioria ali é feita de trabalhadores, de mães que lutam para criar seus filhos, de jovens que sonham com uma oportunidade.
Não é coincidência que as grandes chacinas no Rio de Janeiro ocorram sempre perto de períodos eleitorais. É um padrão que se repete há décadas. São cenas que nos remetem à política de segurança dos anos 1990 — uma política de extermínio, que não resolve absolutamente nada e apenas renova o ciclo da dor.
Ver mães procurando o corpo de seus filhos é uma ferida aberta na consciência nacional. É o retrato mais cruel de um Estado que escolhe quem merece viver e quem pode morrer.
E enquanto o país não enfrentar essa lógica com coragem, inteligência e humanidade, continuaremos repetindo as mesmas tragédias — apenas mudando o endereço.

